NEOLIBERALISMO E ORDEM GLOBAL










NEOLIBERALISMO E ORDEM GLOBAL

Por: Noan Chonsk

Gostaria, primeiramente, de discutir cada um dos tópicos mencionados no título:
Neoliberalismo e Ordem Global. São problemas de grande significado humano, mas ainda pouco
compreendidos. Para abordá-los com rigor, devemos começar por distinguir a doutrina da realidade.
Muitas vezes descobrimos que há entre elas uma considerável distância.
O termo neoliberalismo sugere um sistema de princípios que, ao mesmo tempo em que é novo,
baseia-se em idéias liberais clássicas: Adam Smith é o seu reverenciado santo padroeiro. Esse
sistema doutrinário é também conhecido como Consenso de Washington, expressão que sugere algo a
respeito da ordem global. Um exame mais atento revela que a sugestão sobre a ordem é bastante
precisa, mas o resto, não. Essas doutrinas não são novas, e seus pressupostos básicos estão muito
distantes daqueles que animaram a tradição liberal desde o Iluminismo.

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A NOVIDADE DO NEOLIBERALISMO
Vejamos mais de perto a novidade do neoliberalismo. Um bom lugar para começar é uma
recente publicação do Royal Institute of International Affairs, de Londres, que traz importantes artigos
sobre problemas políticos e estratégicos. Um deles trata da economia do desenvolvimento. O autor,
Paul Krugman, é um conhecido especialista no assunto. Ele destaca cinco pontos principais
diretamente relacionados com o ‘nosso tema.
Em primeiro lugar, o conhecimento acerca do desenvolvimento econômico é muito limitado. Nos
Estados Unidos, por exemplo, dois terços do crescimento da renda per capita continuam sem
explicação. Da mesma forma, observa Krugman, a história dos sucessos asiáticos percorreu
caminhos que com certeza não condizem com o que “a ortodoxia corrente diz ser a chave para o
crescimento”. Ele recomenda “humildade” na formulação de políticas e cautela em relação às
“grandes generalizações”.
Segundo, continuamente se tiram conclusões pouco fundamentadas que dão suporte
doutrinário para a formulação de políticas: o Consenso de Washington é um caso.
Terceiro, o “saber convencional” é instável e com freqüência se transforma em outra coisa,
quem sabe o oposto da última fase, o que não diminui a renovada confiança de seus proponentes na
aplicação da nova ortodoxia.
Quarto, geralmente se reconhece a posteriori que as políticas de desenvolvimento econômico
não “serviram aos objetivos anunciados” e estavam baseadas em “más idéias”.
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Finalmente, diz Krugman, costuma-se “dizer que as más idéias florescem porque atendem aos
interesses de grupos poderosos. Não há dúvida de que tal coisa acontece”.
Esse acontecer é um lugar-comum, pelo menos desde os tempos de Adam Smith. E acontece
com impressionante regularidade, mesmo nos países ricos, embora venham do Terceiro Mundo os
relatos mais cruéis.
Essa é a essência do problema. As “más idéias” podem não servir aos “objetivos expressos”,
mas geralmente acabam se revelando ótimas para os seus grandes arquitetos. Foram muitas as
experiências de desenvolvimento econômico na era moderna, com regularidades difíceis de ignorar.
Uma delas é que os sujeitos da experiência costumam se sair muito bem, ao passo que os objetos
quase sempre saem perdendo.
A primeira grande experiência foi levada a cabo há duzentos anos, quando o governo britânico
da Índia instituiu a “Colonização Permanente”, que iria produzir coisas assombrosas. Uma comissão
especial analisou seus resultados quarenta anos depois, concluindo que “a colonização, concebida
com tanto cuidado e ponderação, infelizmente submeteu as classes baixas à mais penosa opressão”,
deixando atrás de si “as ossadas dos tecelões [que] branqueiam as planícies da Índia” e uma miséria
que “não há de encontrar paralelo na história do comércio”.
Mas essa experiência dificilmente pode ser classificada como um fracasso. O governador-geral
britânico observou na ocasião que “a ‘Colonização Permanente’, embora tenha fracassado em muitos
aspectos essenciais, teve ao menos o mérito de haver criado uma vasta classe de ricos proprietários
de terras movidos por um profundo interesse na continuação do Domínio Britânico e que têm total
controle sobre a massa do povo”. Outro mérito foi o de ter proporcionado grandes riquezas aos
investidores britânicos. A Índia financiou 40 por cento do déficit comercial da Grã-Bretanha, ao
mesmo tempo em que forneceu um mercado cativo para suas exportações de manufaturados,
trabalhadores por empreitada para as possessões britânicas em substituição às antigas populações
escravas, e o ópio, que foi o principal produto de exportação britânico para a China. O comércio do
ópio foi imposto à China pela força e não pelo “livre mercado”, da mesma forma como os sagrados
princípios do mercado foram esquecidos quando a importação do ópio foi proibida na Inglaterra.
Em suma, a primeira grande experiência de desenvolvimento econômico foi uma “má idéia”
para os governados, mas não para os seus criadores e para as elites locais a eles associadas. Esse
padrão se mantém até hoje: coloca-se o lucro acima das pessoas. A consistência dessa crônica não é
menos impressionante do que a retórica que aclama como “milagre econômico” a mais recente vitrina
da democracia e do capitalismo e do que essa retórica geralmente esconde. O Brasil, por exemplo. Na
elogiadíssima história da americanização do Brasil antes mencionada, Gerald Haines diz que os
Estados Unidos vêm usando o Brasil desde 1945 como “área de teste para os modernos métodos
científicos de desenvolvimento industrial baseado no capitalismo intensivo”. Essa experiência foi
levada a cabo “com a melhor das intenções”. Os investidores estrangeiros se beneficiaram, mas os
planejadores “acreditavam sinceramente” que o povo brasileiro também se beneficiaria. Não é
necessário explicar como foi que se beneficiaram ao tornar o Brasil “a menina dos olhos da
comunidade internacional de negócios na América Latina” sob o governo militar nas palavras dos
jornais de negócios –, enquanto o Banco Mundial relatava que dois terços da população não se
alimentavam o bastante para suportar uma atividade física normal.
Em seu texto de 1989, Haines classificou a “política norte-americana para o Brasil” como
“extremamente bem-sucedida”, “uma verdadeira história de sucesso americano”. O ano de 1989 foi
um “ano de ouro” aos olhos do mundo dos negócios, com lucros triplicados em relação a 1988 e uma
redução de cerca de 20 por cento nos salários industriais, que já figuravam entre os mais baixos do
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mundo; a classificação do Brasil no Relatório das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Humano
estava próxima à da Albânia. Quando o desastre começou a atingir os ricos, os “modernos métodos
científicos de desenvolvimento baseado no capitalismo intensivo” (Haines) se transformaram de uma
hora para outra em prova dos males do estatismo e do socialismo outra transição rápida que ocorre
sempre que necessário.
Para apreciar esse avanço, devemos nos lembrar de que o Brasil há muito é reconhecidamente
um dos países mais ricos do mundo, dotado de enormes vantagens, até mesmo meio século de
influência e tutela dos Estados Unidos, que, com a melhor das intenções, por acaso estão uma vez
mais a serviço do lucro da minoria, enquanto a maioria do povo é deixada na miséria.
O exemplo mais recente é o México, louvado como o primeiro aluno das regras do Consenso de
Washington e apontado como modelo para os demais – enquanto os salários despencavam, a pobreza
aumentava quase tão depressa quanto o número de bilionários e o capital estrangeiro afluía (a maior
parte dele especulativa ou destinada à exploração da mão-de-obra barata mantida sob controle por
uma “democracia” brutal). Também ficou conhecido o colapso desse castelo de cartas em dezembro de
1994. Hoje, metade da população não atinge os níveis alimentares mínimos, ao passo que o homem
que controla o mercado de grãos permanece na lista dos bilionários mexicanos, categoria na qual o
país exibe uma elevadíssima posição.
As mudanças na ordem global trouxeram também a aplicação de uma versão do Consenso de
Washington dentro dos próprios Estados Unidos. Há quinze anos os salários da maioria da população
vêm estagnando ou diminuindo, assim como as condições de trabalho e de segurança no emprego,
quadro que se mantém apesar da recuperação da economia – um fenômeno sem precedente. A
desigualdade atingiu níveis desconhecidos nos últimos setenta anos, muito superiores aos de outras
nações industrializadas. Os Estados Unidos têm os mais elevados índices de pobreza infantil dentre
todas as sociedades industriais, seguidos pelo resto do mundo de língua inglesa. E os índices vão
percorrendo a conhecida lista de males do Terceiro Mundo. Enquanto isso, os jornais de negócios não
conseguem encontrar adjetivos suficientemente exuberantes para descrever o crescimento
“estonteante”, “espetacular”, dos lucros, embora admitam que os ricos também se defrontam com
problemas: um título de Business Week anuncia O Problema Agora: O que Fazer com Tanto Dinheiro,
pois a “expansão dos lucros” faz “transbordar os cofres da América das sociedades anônimas” e
multiplicar os dividendos.
Os lucros continuavam sendo “espetaculares” em meados de 1996, com um “notável”
crescimento nas maiores empresas do mundo, apesar de haver “uma área onde as companhias
globais não se estão expandindo muito: as folhas de pagamento”, acrescenta sem muito alarde a mais
importante revista mensal de negócios. Essa exceção inclui empresas que “tiveram um ano
espetacular”, com “lucros em rápida ascensão” e economia de força de trabalho, substituída por
trabalhadores temporários sem direitos nem garantias trabalhistas, ou seja, o comportamento que se
poderia esperar de “quinze anos de clara subjugação do trabalho pelo capital”, para usar outra frase
do jornalismo de negócios.

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