Impactos provocados por usinas
hidrelétricas
As múltiplas funções ecológicas e
serviços ambientais prestados gratuitamente por cursos d’água são inúmeros e
valiosos. Um rio não é um simples canal de água, é um rico ecossistema moldado
ao longo de milhões de anos, com ritmos próprios de composição e decomposição. Verdadeiros
corredores de biodiversidade fornecem água, ar puro, alimentos, terras férteis,
equilíbrio climático, fármacos animais e vegetais e recreação, turismo ecológico,
entre outros tantos serviços.
Os sistemas hídricos propiciam
também estocagem e limpeza de água, recarga do lençol freático, regulagem dos
ciclos biogeoquímicos, estocagem de carbono e habitat para inúmeras espécies,
endêmicas ou não. Fornecem ainda outros benefícios tais como pesca, agricultura
de subsistência, via de transporte e auxílio na pecuária extensiva. Mexer com
essa diversidade ecossistêmica única, que propicia tantos serviços aos
privilegiados que usufruem dessas benesses, provoca discórdias de difícil
consenso.
A construção de reservatórios em
cursos d’água para a geração de energia elétrica é um feito da engenharia, são
estruturas imensas e seus reservatórios represam volumes incomensuráveis de água.
Cada projeto tem suas especificidades, mas como toda obra de grande porte,
provoca inúmeros impactos ambientais, sociais, econômicos e culturais que
transformam as regiões onde se instalam. Determinados impactos são irreversíveis,
outros a capacidade de resiliência da natureza em conjunto com ações antrópicas
positivas se encarregam de corrigir e/ou restaurar.
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Há uma impressão generalizada
entre os afetados por novas usinas, que as regiões onde elas se implementam
absorvem os impactos sociais, econômicos e ambientais associados à construção e
operação, enquanto os benefícios energéticos são distribuídos às demais regiões
do país. Indica o bom senso que o razoável é viabilizar projetos que
simultaneamente produzam energia para o desenvolvimento econômico, com ampliação
da oferta de empregos e melhoria da qualidade de vida da população e ao mesmo
tempo proporcionem mínimos impactos socioambientais. Parece um paradoxo, um
contrassenso, e é, a provocar discórdias e discussões sem fim.
Existe enorme dificuldade de
participação popular no processo de tomada de decisão sobre a instalação ou não
da obra. As informações apenas chegam para ser acatadas, por meio de lógicas do
sistema capitalista que privilegiam o poder econômico. O envolvimento da
sociedade nas questões que envolvem a instalação hidrelétrica é limitado,
quando não inexistente. Mesmo quando há participação popular em processos decisórios,
como no caso de comitês de bacias, a posição majoritária está normalmente em mãos
de empreendedores ou do governo, o que compromete o caráter independente das
decisões.
Alguns impactos só começaram a
ser compreendidos na sua totalidade recentemente devido à emergência do
pensamento ecológico, ao reconhecimento das interações dos fenômenos físicos
com o meio ambiente e a sociedade e ao aprofundamento dos estudos científicos.
Em comum, todos os projetos
hidrelétricos apresentam problemas de intervenção na natureza e principalmente
na vida das populações locais ribeirinhas. Tais constatações são hoje
reconhecidas internacionalmente, e necessitam ser cada vez mais internalizadas
nos processos de tomada de decisão e nos custos referentes à implantação de
novos empreendimentos.
Impacto ambiental de acordo com a
Resolução 01/1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) significa
qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio
ambiente causada por alguma forma de matéria ou energia resultante de
atividades humanas, que direta ou indiretamente afetam a sociedade.
Ë necessário se ter claro que
usinas hidrelétricas, que tanto têm permitido a expansão econômica e o
progresso do bem-estar da sociedade humana, também têm faces obscuras que
demandam constante monitoramento. No caso brasileiro, a precariedade conceitual
e empírica dos Estudos de Impactos Ambientais (EIA) e dos Relatórios de
Impactos Ambientais (RIMA) é real. . Nesses estudos é praxe a prática do “recorta
e cola”, relegando ao valo comum particularidades fundamentais da
biodiversidade e das condições sócio-econômicas locais.
Os estudos de impactos ambientais
permitem que sejam analisadas, elaboradas e implantadas formas de minimizar
impactos. As restrições ambientais são cada vez mais abrangentes, as organizações
não governamentais estão cada vez mais atuantes e as leis mais rigorosas e
punitivas. Mesmo assim, há poucos quadros qualificados para análise e
acompanhamento das demandas desses estudos, e forte influência política em
decisões que têm que ser técnicas. Nesse cenário, os empreendedores de novas
usinas invistam maiores recursos em pesquisas e medidas de mitigação de
impactos.
Até os técnicos que estudam os
EIA/RIMA, caso cometam erros crassos e concedam licenciamentos viciados, podem
ser co-responsabilizados até criminalmente por seus atos. A Constituição
Federal Brasileira de 1988, no parágrafo 3º do artigo 255, relata que qualquer
atividade que cause degradação ambiental sujeitará seus infratores, sejam eles
pessoas físicas ou jurídicas, à obrigação de reparar o dano causado e à sanções
penais, sem prejuízo das demais (sanções civis e administrativas).
Esta norma constitucional foi
devidamente regulamentada pelo art. 3º da Lei 9.605/98, que consagra a figura
da responsabilidade penal da pessoa jurídica em casos de crimes ambientais.
Entretanto, a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade
da pessoa física, sejam autoras, co-autoras ou partícipes. Tendo em vista a
dificuldade de penalizar a pessoa jurídica, admite-se a presunção de
responsabilidade em relação àquele que detém o poder de direção, o dever de
zelo, de informação e de vigilância.
Dessa forma, é primordial
conhecer a legislação ambiental, observar, zelar e acompanhar as atividades
terceirizadas, além da pactuação mediante contrato bem estruturado, com
delimitação das obrigações e responsabilidades de cada uma das partes. Mas,
mesmo adotando tais medidas, não se elimina por completo eventual envolvimento
em dano ambiental, mas restringirá e minimizará os riscos envolvidos.
Dependendo de quem e em que
perspectiva se analisa os impactos provocados por hidrelétricas, pode-se
contabilizá-los como positivos ou negativos. Dessa forma, a hidreletricidade é
um dos mais importantes paradigmas ou paradoxos da economia ambiental.
Impactos positivos
Visões reducionistas e radicais são
incapazes de analisar novos projetos hidrelétricos, principalmente quando se
deve levar em conta a melhoria da qualidade de vida das maiorias. Quanto às
minorias prejudicadas, faz-se necessário, dentro do possível, dar-lhes todas as
condições de reconstituírem suas condições de vida originais. O mesmo vale para
as questões ambientais, que têm tido normalmente um tratamento superficial em
relação aos impactos que provocam. A seguir os principais pontos positivos
desses empreendimentos.
1 – A hidreletricidade é uma
fonte renovável de energia. Utiliza a energia de água corrente para produzir
eletricidade, sem contudo reduzir sua quantidade,. Portanto, todos os
empreendimentos hidrelétricos, de pequeno ou grande porte, a fio d’água ou de
armazenamento, enquadram-se no conceito de fonte de energia renovável.
2 – Usinas hidrelétricas
acarretam aumento da densidade populacional. Uma grande quantidade de
trabalhadores chega ao local para participar da sua construção e, depois, para
mantê-la em funcionamento. Há necessidade de se criar toda uma infra-estrutura
incremental para fornecer à nova população residências, escolas, hospitais,
telecomunicação, luz elétrica e áreas de lazer. Esses eventos provocam um
efeito multiplicador de crescimento da economia local.
3 – Usinas hidrelétricas usam
tecnologia conhecida e segura há mais de um século, e sempre incorporam novas
tecnologias para ter sobrevida e diminuir custos de operação e manutenção. Os
seus impactos são bem compreendidos e administráveis, mediante medidas de
mitigação e compensação de danos, previstos em EIA e RIMA. Contribuem para o
desenvolvimento sustentável, caso esses estudos de impactos ambientais sejam
elaborados em bases científicas, obedeçam a rígidas posturas legais e tenham
gestão constante do concessionário.
4 – A operação dos sistemas elétricos
depende de fontes de geração rápidas e flexíveis para atender às demandas de
pico, manter os níveis de tensão do sistema e restabelecer prontamente o
fornecimento após um blecaute, condições essas atendidas pelas hidrelétricas.
5 – Os reservatórios de acumulação
oferecem flexibilidade operacional incomparável, já que podem responder
imediatamente às flutuações de oferta e demanda de eletricidade. A
estabilidade, a flexibilidade e a capacidade de armazenamento dessas usinas
possibilitam o emprego paralelo de fontes intermitentes de energia renovável,
como energia solar e eólica.
6 – A água dos rios é um recurso
doméstico e, ao contrário de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), não
está sujeita a flutuações de mercado, o que assegura segurança energética e
estabilidade de preços.
7 – Os reservatórios das usinas
hidrelétricas armazenam água da chuva, que pode ser usada para consumo ou para
irrigação. Ao armazenar e reter a água, eles protegem os aquíferos contra o
esgotamento e reduzem a vulnerabilidade a inundações e secas.
8 – O ciclo de vida da
hidreletricidade produz quantidades muito pequenas de gases do efeito estufa
(GEE). Ao emitir menos GEE que usinas movidas a gás, carvão ou petróleo, a
hidreletricidade pode ajudar no combate às mudanças climáticas.
9 – As usinas hidrelétricas não
produzem poluentes do ar, pelo contrário, melhoram o ar que se respira. Muito
frequentemente, elas substituem a geração a partir de combustíveis fosseis,
reduzindo assim a chuva ácida e a fumaça. Além disso, os empreendimentos hidrelétricos
não geram subprodutos tóxicos.
10 – Uma usina hidrelétrica
possibilita usos múltiplos para o reservatório e, via de regra, cria
possibilidade de recreação, turismo e melhora o bem-estar da população.
11 – Com um tempo médio de vida útil
de 50 a 100 anos, os empreendimentos hidrelétricos são investimentos de longo
prazo que podem beneficiar com energia limpa, segura e barata diversas gerações.
12 – Usinas são estratégicas para
a segurança energética de uma região. Os locais que têm o privilégio de poder
construí-las possuem esse diferencial fundamental para seu desenvolvimento. As
grandes usinas recebem compensações financeiras para sanar possíveis danos
ambientais provocados pela formação do reservatório da barragem.
13 – Os locais onde se instalam
hidrelétricas podem transformar-se em centros de referências: em
desenvolvimento de tecnologia de ponta para o setor; na formação de mão-de-obra
qualificada; em desenvolvimento de estudos e projetos de preservação da flora e
fauna locais; implantar programas de educação ambiental para a comunidade; e no
fomento do turismo de lazer e ambiental, a exemplo do que ocorre com a usina de
Itaipu.
Impactos negativos
Os impactos causados por usinas
hidrelétricas são sempre motivos de acirrados debates e difícil consenso. Como
praticamente qualquer atividade econômica, as hidrelétricas causam impactos
negativos, principalmente ao meio ambiente. A grande questão dos cientistas é
saber qual a real dimensão desses impactos e como eles podem ser amenizados, já
que dentro das fontes energéticas atuais, a energia das águas é considerada
fonte renovável e limpa. A seguir os principais pontos negativos desses
empreendimentos.
1 – Os primeiros impactos
ambientais acontecem já na chegada da empresa construtora. A montagem do
canteiro de obras transforma a economia local, com uso intensivo de materiais e
energia, que provoca carestia nos preços dos materiais de construção e outros,
prejudicando os moradores locais.
2 – O aumento súbito da população
que incorpora trabalhadores vindos de fora acarreta vários problemas como acréscimo
na produção de lixo e esgoto sanitário, e aumento na circulação de máquinas
pesadas que danificam as vias públicas e modificam as características do trânsito
local. Os operários, na maioria das obras, são vítimas de condições de trabalho
perigosas e insalubres, e os acidentes e mortes são durante a construção são
significativos. Os barrageiros provocam o crescimento da violência urbana, com
o incremento no consumo de álcool e drogas. A chegada em massa de trabalhadores
de outras praças para exercer suas atividades em terras estranhas provoca
aumento de gravidez em adolescentes, atraem a prostituição e com ela as doenças
sexualmente transmissíveis. os trabalhadores da obra
3 – Antes do funcionamento de uma
usina é necessário desviar o curso do rio para formar um grande reservatório. A
formação da represa afeta fortemente a fauna e flora locais, pois, de uma hora
para outra, a floresta formada durante centenas de anos vira lago. Muitas espécies
acabam submersas e, conseqüentemente, morrem, criando uma espécie de limbo, que
compromete o funcionamento das turbinas.
Entre os cientistas há um
consenso de que as áreas marginais a corpos d’água, sejam várzeas ou florestas
ripárias (ciliares), são áreas insubstituíveis em razão da rica biodiversidade
que ostentam e de seu alto grau de especialização e endemismo. Além disso,
proporcionam serviços ecossistêmicos essenciais como a regularização hidrológica
na atenuação de cheias e vazantes, a estabilização de encostas contra erosões,
a manutenção da população de polinizadores e de ictiofauna, o controle natural
de pragas, de doenças e das espécies exóticas invasoras.
4 – A implantação de hidrelétricas
interfere de forma irreversível no micro clima local, provocando alterações na
temperatura, na umidade relativa do ar, na evaporação e afeta o ciclo pluvial.
Um muro de contenção segura água outrora corrente e sua regulação passa a ser
feita pelo ser humano. O ecossistema in natura com toda sua rica biodiversidade
jamais será recomposto. As médias das temperaturas mais altas tendem a ter
pequenas baixas enquanto as médias das temperaturas mais baixas tendem a ter
ligeiras altas. A quantificação desses impactos ainda é incipiente dada a
complexidade que envolve os estudos de mudanças climáticas e de ecossistemas.
5 – Na hidrologia, a priorização
para produzir energia cria dificuldades para permitir o uso múltiplo das águas
como irrigação, piscicultura e lazer. A barragem altera o fluxo de corrente e a
vazão do rio a jusante (abaixo), que causa alargamento do leito original,
aumento de profundidade e elevação do nível do lençol freático, criando pântanos.
A pressão do peso da água represada pode provocar fortes deslocamentos de
terra, prejudicar aquíferos e provocar sismos induzidos, principalmente em
terrenos cársticos. Forma-se a montante (acima) uma nova margem que não tem a
mesma resistência à água, o que causa erosão e perda de solo e árvores, gerando
o assoreamento que afeta a capacidade do reservatório. As barragens impedem o
fluxo natural de sedimentos ricos em nutrientes, que auxiliam na fertilização
dos solos para produzir alimentos.
A interrupção brusca do fluxo
normal do curso do rio provoca diversas mudanças na temperatura e na composição
química da água, com consequências diretas na sua qualidade. A água do fundo de
um reservatório de uma grande barragem normalmente é mais fria no verão e mais
quente no inverno do que a água corrente do rio. Já a água da superfície do
reservatório é mais quente do que a do rio praticamente em todas as estações.
Essas mudanças de temperatura mudam os ciclos da vida aquática, tais como
procriação e metamorfose.
A barreira necessária para
viabilizar usinas tranca sua navegabilidade quase que de forma irreversível e
pode causar conflitos geopolíticos entre países usuários do mesmo rio. O Brasil
tem cerca de 50 mil quilômetros de rios potencialmente navegáveis. O uso das águas
para produzir energia permeou as decisões governamentais desde 1940 e criou
obstáculos em rios navegáveis. A Usina de Tucuruí bloqueou o rio Tocantins, a
Usina de Itaipu, bloqueou o rio Paraná e assim por diante. São Paulo também
deslizou para esse caminho, interrompendo toda a possibilidade de navegação no
rio Paranapanema, que em um trecho de 929 quilômetros possui 11 usinas hidrelétricas
e inúmeros novos projetos. Há no estado de São Paulo uma salvaguarda, o rio
Tietê, que resultou na viabilização da Hidrovia Tietê-Paraná, com 2.400 quilômetros.
Na Europa a relação entre os
custos de transporte na hidrovia, na ferrovia e na rodovia obedecem a relação 1
: 2 : 5. No Brasil, os transportes rodoviários representam 76% da matriz de
modais de locomoção; em São Paulo, 80%. Mas nos Estados Unidos, país da indústria
automobilística e das rodovias, somente 38% das cargas viajam de caminhão. O país
deve buscar eficiência em sua distribuição modal, ou seja, reduzir a
dispendiosa carga rodoviária por meio do maior aparelhamento das hidrovias e
das ferrovias.
6 – Há emissões de gases de
efeito estufa principalmente em hidrelétricas localizadas em áreas tropicais,
por meio da decomposição de árvores acima da água (em áreas não desmatadas
adequadamente antes de se encher os reservatórios), as quais emitem gás carbônico
(CO2).
7 – Há também a liberação de gás
metano (CH4) na zona de deplecionamento (área do fundo do reservatório). Os
reservatórios apresentam estratificação térmica, que causa formação da
termoclina, localizada entre dois e três metros de profundidade. Abaixo da
termoclina, a temperatura diminui e a água abaixo desta camada (hipolímnio) não
se mistura com a água da superfície. A água do hipolímnio é ausente de oxigênio
e por isso a vegetação da zona de deplecionamento não produz CO2 e sim CH4, que
provoca 21 vezes mais impacto sobre o efeito estufa do que o gás carbônico.
Conforme a vegetação do fundo do reservatório cresce a cada redução do nível de
água, o gás carbônico da superfície é removido da atmosfera através da fotossíntese
e o carbono é liberado pela vegetação em forma de metano, quando ocorre
novamente a inundação.
8 – O excesso de nutrientes na água,
principalmente fosfato e nitrato, ocasiona um aumento significativo na população
de algas e de microorganismos decompositores na água, levando a uma brusca redução
do teor de oxigênio dissolvido. Esse processo é denominado eutrofização, ocorre
de forma natural, mas é potencializado na medida em que se incrementa
substancialmente a quantia de efluentes despejados nos rios, oriundos do comércio,
indústria e residências. A eutrofização provoca a mortalidade de organismos aeróbios
maiores como os peixes, podendo causar também epidemias.
9 – O represamento de águas pode
provocar diversas enfermidades endêmicas que assolam as comunidades vizinhas às
usinas, dentre as quais doenças parasitárias como a esquistossomose e a malária
e em menor escala a febre amarela e a dengue. Isto ocorre porque as barragens e
os sistemas de irrigação formam remansos e propiciam um ambiente favorável para
a criação e proliferação de insetos, caramujos e outros animais que servem como
vetores para o desenvolvimento de parasitas.
10 – A formação de um reservatório
provoca mudanças na estrutura dos ambientes aquáticos ao transformar um rio de águas
rápidas (lóticas) em um sistema de águas paradas (lêntico) e também ao inundar
ambientes terrestres e/ou várzeas e lagoas marginais. Estas mudanças causam
alterações nas estruturas da fauna aquática (ictiofauna), principalmente por
meio da substituição ou extinção local de espécies. Espécies de peixes reofílicos
(aqueles que necessitam de águas rápidas para sua sobrevivência) se tornam mais
raras, enquanto espécies de águas lênticas se tornam mais abundantes.
Espécies acostumadas à água
corrente têm dificuldades em se adaptar à água quase parada de um lago, onde o
nível de oxigenação diminui acentuadamente. A conseqüência é a proliferação de
determinadas espécies em relação a outras. Há uma notável diminuição na
quantidade e na qualidade dos peixes, o que causa prejuízos às populações
ribeirinhas que têm na pesca a principal fonte de alimentação e atividade econômica.
Para tentar amenizar o problema são construídas escadas nas barragens para que
os peixes migratórios possam circular na piracema (ciclo migratório). A concepção
de degraus é para evitar que algumas espécies morram de exaustão ao tentar
repetir o seu fluxo natural de migração.
As escadas, no entanto, podem
aumentar os riscos de extinção se funcionarem como uma armadilha ecológica, na
medida em que atraem cardumes para ambientes mais pobres e prejudicam sua
reprodução. A quantidade de peixes que sobe é significativa e causam um colapso
na pesca a jusante dos reservatórios. A piracema também entra em colapso caso
os peixes que sobem não desçam depois. Isso ocorre porque os adultos que
sobrevivem ao desgastante processo de subida das escadas não encontram locais
adequados para a desova ou o desenvolvimento dos alevinos nos ambientes a
montante, já que esses locais são ecologicamente mais pobres.
A plasticidade (capacidade de se
adaptar a novos ambientes e/ou condições ambientais) dos peixes migradores
ainda é pouco conhecida, mas alguns casos de escolha de rotas alternativas de
migração já foram identificados. O padrão geral de migração de peixes após a
construção de usinas inclui o deslocamento das espécies entre diferentes áreas
do ciclo de vida (desova, alimentação, crescimento). Esse deslocamento pode
variar desde alguns quilômetros a até 3.500 quilômetros (sistema amazônico).
Deslocamentos de espécies migradoras como o dourado superiores a 1.000 quilômetros
já foram registrados. Com a interrupção desta rota por uma hidrelétrica, os
peixes passam a não ter acesso ou ter acesso limitado às diferentes áreas do
ciclo de vida. A repovoação da represa é indispensável.
11 – As populações humanas que
habitam as regiões onde a usina será implantada em geral são famílias de
agricultores, pescadores ou tribos indígenas, que perdem áreas utilizadas para
caça e pesca. Deve-se reassentar essas populações em outras regiões, sem
alterar muito suas condições originais de vida ou mesmo melhorá-las, o que
raramente ocorre. O deslocamento forçado dessas populações, acompanhado por
compensações financeiras irrisórias ou inexistentes coloca-as em confronto com
empreendedores que almejam esconder ou minimizar os conflitos para viabilizar
suas obras, e têm em vista critérios fundamentalmente econômicos. As populações
atingidas, juntamente com os ambientalistas, procuram evidenciar os conflitos,
mostrando que há direitos que não estão sendo considerados, e têm em vista critérios
ambientais, sociais e humanitários.
No caso da população indígena,
essas comunidades dificilmente possuem os documentos referentes à posse de terras.
Em sua maioria, eles são reassentados em novas áreas, passam por um longo
processo de adaptações culturais e sociais e podem perder sua identidade, pois
possuem uma ligação espiritual estreita com a terra natal.
12 – Os impactos causados pelas
PCHs em relação às grandes usinas são menores, pois possuem barragens
proporcionalmente menores, mas ao se instalar diversas PCHs em um mesmo rio, em
sistemas de cascatas, os impactos podem ser proporcionalmente maiores dos
causados por grandes obras, principalmente no que diz respeito ao assoreamento.
O licenciamento ambiental de PCHs é bem mais simples e, em alguns estados,
sequer são necessários o EIA e o RIMA. Obtidos isoladamente, sem levar em conta
outras usinas hidrelétricas no mesmo rio ou bacia, os licenciamentos ignoram o
conjunto dos impactos socioambientais dos empreendimentos.
Uma resolução do Conselho
Nacional de Meio Ambiente (Conama) diz que usinas com mais de 10 MW de potência
devem ter EIA/RIMA. Esse caso é emblemático e dá mostras da confusão que se
disseminou no país sobre regras e competências de licenciamento ambiental.
As grandes hidrelétricas podem
causar mais estragos ambientais, mas acabam sendo analisadas pelo Instituto
Brasileiro do Meio ambiente (IBAMA), e submetidas ao licenciamento mais
rigoroso. Já as PCHs costumam ser licenciadas pelos estados, que aplicam suas
próprias regras. Muitas vezes, essas regras são mais brandas.
Um exemplo de PCH com grande
impacto é a PCH Fumaça (10 MW), construída no município de Diogo Vasconcelos
(MG) pela Novellis do Brasil (antiga Alcan Alumínio). A obra deslocou
compulsoriamente duzentas famílias com o início de sua operação, em abril de
2003. Pessoas que dependiam da beira do rio para sua sobrevivência e que
mantinham uma relação complexa com a natureza (meeiros, artesãos que utilizavam
da pedra sabão, faiscadores, diaristas e agricultores) até hoje enfrentam
problemas de indenização.
13 – Sítios arqueológicos de rara
beleza natural e de importância científica são elementos do patrimônio cultural
da humanidade. A perda desses recursos culturais históricos, que variam desde
santuários, artefatos e construções antigas, templos, além de recursos arqueológicos
tais como fósseis, animais e cemitérios ocorre em decorrência de submersão da área
de influência da barragem. Ocorre também devido ao processo de erosão dos solos
e das encostas ora frágeis, que expõe essa riqueza à superfície, deixando-a
vulnerável a saques e contrabando – um crime de lesa humanidade.
Exemplos de impactos no Brasil
As centenas de usinas hidrelétricas
construídas até hoje no Brasil resultaram em mais de 34.000 km2 de terras
inundadas para a formação de barragens; no deslocamento compulsório de cerca de
250 mil famílias, populações ribeirinhas diretamente atingidas pelos reservatórios;
e em muitos danos ambientais e sociais.
O maior empreendimento em construção
no Brasil é a usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, estado do Pará,
cuja obra enfrenta muitos protestos ambientais. A rejeição às grandes barragens
é produto de um histórico de erros no setor. O símbolo maior desses enganos é a
usina de Balbina, erguida nos anos 1980 no rio Uatumã, no estado do Amazonas.
Balbina, concebida no regime
militar na década de 1970 e finalizada em 1989, é considerada a maior tragédia
ambiental do país. Inundou uma área quatro vezes superior a Itaipu, incluindo
parte da reserva indígena Waimiri-Atroari, para gerar somente 10% da energia de
Itaipu. Matou peixes e causou a escasses de alimentos e fome para as populações
locais. Nem mesmo o abastecimento de energia elétrica para a população local
foi cumprido. Em 1989, após uma análise da situação do rio Uatumã, o Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) decretou sua morte biológica.
Os construtores inundaram a área
sem retirar as árvores e transformaram a paisagem em um grotesco paliteiro. A
madeira em putrefação atrai nuvens de mosquitos e gera metano. Bactérias aeróbicas
promoveram a decomposição da matéria orgânica, que acarretou a diminuição da taxa
de oxigênio dissolvido na água e provocou a morte de milhares de peixes.
No caso da construção da hidrelétrica
de Tucuruí, no Pará, um exemplo de má administração das questões ambientais na
construção, cientistas relatam a fuga em massa de macacos, aves e outras espécies
durante os dois meses que durou a inundação do lago de 2.430 km2. A estimativa é
que apenas 1% das espécies locais sobreviveu. Mesmo com o remanejamento
antecipado de espécies, algumas correm o risco de não se adaptarem ao novo
habitat.
Na represa de Sobradinho, 50 mil
habitantes das ilhas e das margens do rio São Francisco tiveram de ser
reassentadas. Com a construção da represa de Luiz Gonzaga (Itaparica) foram
submersas três cidades, Petrolândia, Glória e Rodelas, e inscrições feitas por
homens pré-históricos nas pedras das margens do rio. Desapareceram ruínas de
missões jesuítas e franciscanas e o famoso cais de Petrolândia, construído para
o desembarque de D. Pedro II em sua histórica viagem pelo rio São Francisco.
A hidrelétrica de Itaipu, devido à
sua magnitude, provocou profundos impactos sociais e ambientais na bacia do Rio
Paraná. O principal foi o desaparecimento das 7 quedas da cidade de Guairá, uma
das mais belas paisagens brasileiras. Entretanto, é inegável sua contribuição ímpar
em fornecimento de energia para todo o país. Além disso, entre as usinas hidrelétricas
brasileiras é uma das que mais investe em pesquisas ambientais.
Entre muitas pesquisas realizadas
em Itaipu, está a maior série histórica de dados sobre a pesca. Este
conhecimento acima da média do sistema se deve em grande parte à participação,
nos estudos, da Universidade Estadual de Maringá, através do Núcleo de
Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura – Nupélia. Este núcleo de
excelência, reconhecido internacionalmente, pesquisa há mais de 20 anos os
ecossistemas aquáticos da bacia do Rio Paraná.
Deslizamentos de terra e
sismicidade
Dezenas de deslizamentos de terra
na China foram atribuídos à construção da hidrelétrica Três Gargantas que cruza
o rio Yangtsé. Como tudo na China, os números são estratosféricos: essa obra
desalojou 1,3 milhões de chineses, o lago formado afundou 13 cidades de grande
porte, 140 de pequeno, 1.352 povoados e 657 fábricas segundo cálculos oficiais.
Também 600 sítios históricos desapareceram sob as águas que no pico contou com
mais de 18 mil trabalhadores.
Em 2003, um mês após ser iniciado
o enchimento da barragem Três Gargantas, um deslizamento de terra matou 14
pessoas. Dezenas de outros acidentes aconteceram em 2006, depois que o nível de
água aumentou novamente. Já em 2007, um ônibus foi engolido por um
deslizamento. Os mecanismos em ação quando o represamento provoca deslizamentos
de terra são similares ao que causam abalos sísmicos (terremotos). Mas no caso
de tremores de terra, os efeitos acontecem por debaixo da superfície.
Até recentemente o pior terremoto
atribuído à atividade de uma represa aconteceu na porção ocidental da Índia, em
1967. Três anos depois de completada a construção da represa Koyna, um
terremoto atingiu a magnitude de 6,5, matando 180 pessoas. O fenômeno de
terremotos provocados por uma represa é conhecido como sismo induzido por
reservatórios e, basicamente, eles ocorrem quando uma represa é construída e
seu reservatório é cheio com água, pois a pressão equivalente exercida na terra
naquela área muda drasticamente: quando o nível de água chega ao limite, a
pressão no solo aumenta; quando o nível de água abaixa, a pressão também
diminui. Essa variação causa um estresse no delicado balanço das placas tectônicas
debaixo da superfície, podendo levá-las a se mover.
Outro fator é a própria água.
Quando a pressão da água aumenta, mais água penetra no solo, preenchendo
rachaduras e fissuras no local. Toda essa pressão da água pode expandir essas
rachaduras e criar novas fissuras nas rochas, causando instabilidade no solo.
Além disso, conforme a água se aprofunda pode agir como lubrificante para as
placas rochosas que estão presas apenas pela fricção. Essa lubrificação pode
causar o deslizamento dessas placas.
A represa chinesa Zipingpu, tem
profundidade equivalente a um edifício de 50 andares e armazena mais de um bilhão
de metros cúbicos de água vindos do rio Minjiang. O peso e as características
de lubrificação daquela água podem ter desencadeado o terremoto em 2008.
No caso de terremotos, é difícil
atribuir culpa a represas. Só um detalhado estudo científico pode apontar
exatamente o que acontece debaixo da superfície. Cientistas acreditam que são
necessárias mais pesquisas e programas de monitoramentos sísmicos antes de se
afirmar que uma barragem está diretamente relacionada a tremores de terra.
Entretanto, o que se sabe é que
uma represa não pode causar um terremoto isoladamente. Os fatores de risco,
especificamente falhas instáveis, já devem estar no local. Embora sob certas
condições do local, uma represa possa causar danos mais cedo do que ocorreria
naturalmente, e talvez aumentar sua intensidade. Construir uma represa sobre
uma falha geológica conhecida não é recomendado. Esse é o motivo porque muitos
cientistas advertem sobre os terríveis resultados na Hidrelétrica Três
Gargantas, com a construção sobre falhas em Jiuwanxi e Zigui.
Fonte:
http://www.observadorpiraju.com.br/coluna_rodnei.asp?id=2763
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